Este artigo tem como objetivo apresentar o projeto Retalhos de Memória, no IX Seminário sobre Museologia, História e Documentação
Realizado entre os anos de 2006 e 2009, em duas edições, o projeto contou com a participação de aproximadamente 150 idosas e teve como objetivo o resgate de histórias e memórias através do resgate de práticas artesanais com linhas e agulhas presentes no imaginário das participantes. E foi realizada com o apoio da Secretaria de Desenvolvimento Social e Solidariedade do município de Resende e a ONG Obra Social, da cidade do Rio de Janeiro, e foi realizada em 8 centros de convivência e lazer para idosos.
A pesquisa não teve como objetivo realizar uma amostragem quantitativa sobre as técnicas artesanais, o levantamento estatísticos dos saberes nem a condição de vida socioeconômico das participantes, mas sim uma pesquisa participativa, onde estive presente em todas as atividades propostas. Foi desde o início explicado às alunas o porquê de nossos encontros, desenvolvendo um vínculo de afeto e confiança no nosso relacionamento. As participantes não eram apenas o objeto de estudo, que posteriormente analisei em meu mestrado do Departamento de Artes e Design na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), mas eram também sujeito, cheias de histórias, memórias e lembranças que foram resgatadas à medida que íamos resgatando as técnicas artesanais, pois o ponto central não era apenas o objeto em si, mas o que está por trás desse objeto, o contexto social em que o objeto foi apreendido, a memória pessoal, que também é coletiva, uma vez que são mulheres da mesma geração, e a inculcação desse habitus esteve presente na sua formação.
O trabalho teve início no mês de agosto de 2006, na cidade de Resende, com a participação inicial de 30 mulheres, oriundas de 3 centros de convivência da terceira idade de bairros distintos: Manejo, Paraíso e Cidade Alegria. Os Centros de Convivência são mantidos pela Secretaria de Desenvolvimento Social e Solidariedade do município e subordinados diretamente ao Programa de Atendimento à Terceira Idade (PATI). Essa pesquisa foi apresentada para as participantes dos centros como uma atividade extra, uma vez que nesses espaços são oferecidos aulas de educação física, artesanato, coral, leitura e passeios etc. Desde o início, teve um caráter de pesquisa, mas também de uma atividade, de uma aula, pois eram solicitadas atividades lúdicas, artísticas para facilitar os depoimentos e expressão das mesmas. Além do resgate das técnicas, foi proposto às participantes a realização de um trabalho coletivo e, por fim, montamos uma exposição com os trabalhos.
As atividades propostas eram um meio facilitador de compreensão da realidade social da qual essas mulheres fizeram e fazem parte.
São mulheres oriundas de camadas sociais populares, moradoras de bairros operários com habitações tipo BNH, todas aposentadas, vivendo a maioria com salário mínimo e grau de escolaridade baixo, sendo algumas analfabetas. São também vítimas da exclusão social e do processo de depressão comum nessa faixa etária, e suas inserções nesses centros são por via do desânimo, da falta do que fazer, na busca por um passatempo, incentivadas pelas colegas, médicos geriatras e propaganda institucional por parte da prefeitura.
Dentre as atividades propostas, podemos destacar desenhos, leitura de poesias e contos, confecção de bonecas de pano, cirandas e músicas; todas as atividades eram associadas a um tema especifico, por exemplo: família, infância, lar, casamento etc. Essa pesquisa teve a duração de 1 ano e ocorria semanalmente em encontros de 2 horas em cada unidade distinta, ou seja, eu estava presente em 3 centros de convivência, somando 6 horas de trabalho semanais, concentradas em 2 dias da semana. Os temas trabalhados evocavam as lembranças e as memórias afetivas, o cotidiano, a vida dura, a infância, o vestido de casamento e as técnicas artesanais tão presentes na vida dessas mulheres. A memória afetiva e coletiva que está por trás de cada lembrança e cada episódio proporcionou o reviver de fatos que foram perdidos, fato que ninguém mais quer saber, como me relatou uma aluna.
Em suas incursões sobre as lembranças dos velhos, Ecléa Bosi (1994) em seu belíssimo trabalho Memória e sociedade procura compreender os diferentes tipos de memória e realiza um registro de histórias de vida de idosos moradores da cidade de São Paulo e nos faz refletir sobre o fato de que uma das funções sociais do idoso é lembrar e proporcionar às gerações mais novas a essência da cultura através da fidelidade da memória. E acrescenta que os idosos são responsáveis pela memória familiar, institucional e social, o reviver do que se perdeu de histórias, tradições, o reviver dos que já partiram e participam então das nossas conversas e esperanças; enfim, o poder que os velhos têm de tornar presentes na família os que se ausentaram, pois deles ainda ficou alguma coisa em nosso hábito de sorrir, de andar. (op. cit., p. 74). Porém, a nossa sociedade não permite ao velho que ele cumpra esse papel social, que é lembrar, pois o idoso é visto como uma ferida, e o diálogo entre gerações é pouco frequente. A possibilidade de resgatar as lembranças traz para essas mulheres o reconhecimento a possibilidade de mostrar suas conquistas, sua competência, pois envelhecer significa perder sua força de trabalho e força física, e, nesse momento, elas deixam de existir, as lembranças se perdem, e ficam os apelos, como o pedido pelo senhor Amadeu e registrado por Ecléa Bosi, para que os jovens tenham tolerância com os velhos, pois eles também trabalharam. (op. cit., p. 481)
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