O projeto A Bordadura na educação Básica, foi desenvolvido em 2012 com uma turma de segundo ano do ensino médio nas aulas de artes visuais no Colégio de Aplicação da UFRJ. O projeto teve como eixo temático e simbólico a boneca, um artefato da cultura material que está presente em todas as civilizações, ao longo da história da humanidade, e que carrega inúmeros significados simbólicos, místicos, antropológicos e sociais. Um objeto singelo que revela valores e costumes de uma determinada sociedade, não estando apenas ligado ao universo infantil e lúdico.
Além do artefato estar presente na história da humanidade, representando diferentes culturas, esse também é um objeto de grande importância na construção simbólica infantil; permite e estimula a representação de diversos aspectos da realidade. No brincar de boneca, a criança imita o mundo, cria e recria inúmeras possibilidades de representação deste.
“A boneca na mão de uma criança é, para esta, um espelho de seu ser e de sua situação evolutiva. A ela recai uma grande importância, pois tudo nela, mesmo o não pensado, tem a atuação que somente se revelará no mundo adulto.” (Scheven Karin)
E ainda que o presente trabalho não tenha sido realizado com crianças, compreendemos que o artefato da boneca, mobiliza mulheres e homens de todas as idades. Na turma, o tema despertou muita euforia nas meninas-moças, em uma idade de transição bastante importante e confusa, onde o corpo e a mente entram, muitas vezes, em conflito existencial, e há uma crise de identidade na construção desse novo ser, a mulher jovem. De modo que o trabalho com bonecas despertou e promoveu reflexões sobre o corpo feminino, a gestação, a sexualidade, o encontro com o outro e o aspecto lúdico e infantil do objeto.
O trabalho foi permeado por diálogos interessantes que promovemos com a arte contemporânea e com a arte popular brasileira. Realizamos pesquisas que tiveram como referência a obra de diversos artistas contemporâneos, como Lia Menna Barreto, Farnese de Andrade, Artur Bispo do Rosário, Leonilson, Louise Bourgeois etc.; artistas que se apropriaram da simbologia do objeto e de suas memórias pessoais para desenvolvimento de suas poéticas de trabalho utilizando como suporte tecidos, linhas, costura e bordados, e que modificaram e deram novo o significado e função para o objeto boneca, transformando-o em uma obra de arte, explorando as formas, a materialidade, a memória e os sentidos que o perpassam.
No depoimento de Lia Menna Barreto sobre o uso da boneca, podemos compreender as possibilidades de transfiguração do artefato:
“Eu perverto, sim, o significado das coisas: um brinquedo é um objeto inanimado; eu injeto calor e ele se move, toma vida; eu corto a cabeça dele, e o ar, lá de dentro, é liberado, ganha o espaço”. Complementou: “perverto o significado da boneca quando a retiro do contexto da infância e a trago para o mundo adulto do artista”. (Maria Helena Bernardes, Pele de Boneca, 2010)
Diante dessa lógica de pensamento e construção, fundamentamos nossa construção metodológica, explorando o universo e conceitos presentes na arte contemporânea. De início, procuramos trabalhar com a compreensão e o desenvolvimento dos conceitos: linguagem e poética. A partir da discussão e compreensão dos mesmos e suas implicações na arte contemporânea, foi proposto a cada aluna o desenvolvimento de sua própria poética pessoal, tendo como linguagem a bordadura e a boneca como tema de trabalho e investigação.
E procuramos ainda trabalhar com uma metodologia fundamentada em leituras de contos sobre o feminino, a boneca, a leitura de obras de artes contemporâneas e discussões sobre questões sócias e de gênero. Também trabalhamos a memória pessoal e coletiva de cada moça, o brincar de boneca, a feminilidade e a juventude. Essas discussões eram sempre muito interessantes e acaloradas, repletas de questionamentos, dúvidas e descobertas tão importantes nessa faixa etária.
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